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1922: Primeira Travessia Aérea do Atlântico Sul – por Sacadura Cabral e Gago Coutinho

“Etapa Porto Praia – S Pedro e S Paulo

Às 4 h. 30 m. da manhã de 18 de Abril começou-se a esgotar a água dos flutuadores […] “

Dedicamos o dia de hoje à reconstituição do “Grande Salto” entre Cabo Verde e Os Penedos de S. Pedro e S. Paul – uns minúsculos rochedos, perdidos no meio do Atlântico Sul, a 1600 km de Cabo Verde.

Esta etapa irá demorar 11H21 minutos a ser percorrida; para conseguir chegar antes do escurecer, era necessário partir muito cedo de Cabo Verde.

Sacadura Cabral e Gago Coutinho estão em Cabo Verde, desde 05 de Abril de 1922, aguardando tempo favorável para a partida para o “Grande Salto”. Chegaram ao Mindelo, e decidiram partir da ilha da Praia, para terem melhores condições de descolagem.

“[…] e às 5 h. 15 m. pôs-se o motor em marcha, hidroplanando para tomar posição a SW da Ponte Temerosa, no intuito de largar passando sobre a terra baixa desta ponte.

Faço duas corridas sem resultado; bastante ondulação e vento NNE muito fraco.

Como já começa a ser tarde, desisto de sair e volto para dentro, mas parecendo-me que havia agora um pouco mais de vento, dou uma terceira corrida, já dentro do porto, e o hidro descola às 5 h. 55 m. [07H55 TMG]

Dou a volta antes de chegar à terra e meto a caminho. Vento fraco de NNE, céu quási limpo, mas tempo encinzeirado e horizontes curtos. “

Crédito da foto: Attila Marosi from Pixabay Nuvens vermelhas do pôr do sol

Neste dia 18 de Abril, em 1922, durante a 1ª Travessia Aérea do Atlântico Sul, em 1922, num Hidroavião biplano Fairey “Transatlântico” – entre Cabo Verde e os Penedos de S. Pedro e S. Paulo (continuação):

Começo gastando gasolina dos tanques dos flutuadores e às 8 h. isto é, a duas horas de partida, vejo com surpresa que estão completamente esgotados, não me restando mais que 195 galões [886 litros] de gasolina nos tanques da fuselagem, ou seja, menos de 10 horas de voo!

O vento começa abrandando e isto preocupa-me muito, o consumo de gasolina mantém-se em pelo menos, 20 galões [91 litros] por hora!

Troco impressões com o comandante Coutinho examinando a nossa situação e encarando a hipótese de voltar para trás

Devemos estar a 690 milhas [1278 km] dos Penedos e não temos mais que 8 horas e meia de gasolina!

O lógico, o prudente seria voltar para trás […]

Confesso que, para mim, foi este voo o bocado mais amargo da viagem aérea Lisboa-Rio, porque durante nove horas e meia vivi sempre na incerteza de ter ou não gasolina suficiente para chegar ao términus. […]

e assim ficaria por demonstrar aquilo que pretendíamos provar, isto é, que a navegação aérea é susceptível da mesma precisão que a navegação marítima!!

Depois de muita hesitação e de muita discussão – que é demorada, porque só por escrito podíamos comunicar as nossas impressões – decidimos continuar! […] “

(este relato será continuado hoje, até ao fim desta etapa)

Extraído do Relatório da Viagem, de Sacadura Cabral e Gago Coutinho, 1922.

Crédito da foto: CJ,  from Pixabay

“Às 14 h. 30 m. pintam alguns salseiros e o céu forra-se, apresentando o aspecto equatorial.

O hidro continua com acentuada tendência a “cabrar” obrigando-me a um esforço continuo e fatigante para o manter em linha de voo.

Às 16 h. acaba-se a gasolina dos tanques principais restando apenas os 24 galões [110 litros] contidos no tanque de gravidade [na asa superior], isto é cerca de uma hora e um quarto de voo.

Pouco depois o sol descobre e podemos fazer observações [astronómicas] . Apanhamos a recta de altura que passa nos Penedos e seguimos por ela.

Agora, o chegar, é uma questão de termos ou não gasolina bastante e assim vamos seguindo, sempre com esta preocupação. […] “

Damos agora a palavra a Gago Coutinho, numa conferência que deu aos alunos da Escola Preparatória Francisco de Arruda, em 1956 (e que dava uma excelente peça de teatro para os jovens).

Mostra também aquilo que sabemos: que nem sempre os relatórios oficiais relatam tudo o que se passou …“ […] A experiência tinha-nos provado [no vôo Lisboa- Madeira, em 1921], que a navegação nos não falharia e, portanto, iríamos seguros da

posição na linha que unia o ponto de partida ao de chegada.

Confiávamos em que, se fosse preciso poisar no mar, não muito longe do ponto de chegada, ao anoitecer, o navio que nos esperasse nos Rochedos, largando para norte, encontraria o Avião, ouvindo tiros da nossa pistola de sinais.

A meio do voo, as bombas de vento [que traziam o combustível para o motor], avariaram; foi preciso que o Navegador as substituísse, dando à bomba de mão.

Assim foram elevados, dos flutuadores para o tanque sobre o avião, uns 500 litros de gasolina.

Este pormenor, pouco falado, concorreu eficazmente para que o voo, não falhando, pudesse dar muita alegria ao Povo Português…

Extraído de: Relatório da Viagem, de Sacadura Cabral e Gago Coutinho, 1922.

Crédito da foto: Dimitris Vetsikas, from Pixabay; JMF

“[…] Passadas 11h e 21 minutos de voo, a gasolina estava a acabar.

O Penedo — umas pedras pouco elevadas — só se pode avistar muito de perto, dos 300 metros de altura a que voávamos.

Porém, ao poisarmos junto dos escaleres que o República tinha na água — agitada por “ondulação larga”, o avião “Lusitânia” perdeu um dos flutuadores, que se desfez por ser de madeira podre.

O que nos surpreendeu porque, após os 1600 Km de voo sem apoio, queimados os nossos 700 Kg de gasolina, o Avião ia leve.

Nem ao menos foi possível salvar o fiel motor [Roll-Royce Eagle VIII], que nos levara àquelas insignificantes pedras!

Elas já eram terra brasileira, embora inabitável.

Tinha-se repetido a prioridade portuguesa, quatro séculos e meio depois de as nossas Caravelas terem cortado o Equador.

E levávamos pintadas nas asas a mesma “Cruz vermelha de Cristo” com que nossos “Caravelistas” devassaram – como o cantou Camões – “aqueles mares” e “os novos Ares que o generoso [Príncipe] D. Henrique [ o Navegador] descobriu”.

Por outro lado, aqueles que no Penedo nos esperavam a bordo do Cruzador República, pairando, informados pelo rádio sobre a nossa partida de Cabo Verde, tinham vivido todo aquele dia sobressaltados, na ignorância do que se vinha passando a bordo do Avião…

Até que, ao fim da tarde, ao avistarem-nos no céu, a Norte, tiveram extraordinária comoção de surpresa e prazer.Simples geógrafos tinham demonstrado ao Mundo a possibilidade de atravessar os Ares,

com a mesma segurança e autonomia com que faziam os Navios. “

Infelizmente, o Lusitânia perdeu-se na amaragem, devido à vaga. Mas a viagem não terminou.

O apoio entusiástico dos Portugueses, Brasileiros e Cabo-Verdianos permitiu que a viagem continuasse: encontraram-se fundos e apoios para a continuação da viagem.

Os grandes jornais realizaram campanhas de recolhas de fundos, para a continuação desta maravilhosa aventura que uniu irmão separados por um Atlântico-Sul.A descrição da Travessia vai continuar, até 17 de Junho, data de chegada ao Rio de Janeiro. – Acompanhe, e espero que aprecie! – JMF

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